quarta-feira, 22 de fevereiro de 2017

Adeus Brasil...

Voltar. Regressar. Retornar. Várias palavras com o mesmo significado e uma carga emotiva tão variada. Decidi terminar este percurso de emigrante e tentar a sorte naquele que é o país do meu coração: Portugal. Dizem que está difícil, mas parece-me difícil em todo o lado. Ao menos aqui em casa não estou sozinha. Família e amigos são a minha riqueza e não quero mais viver a vida longe disso. Sem poder partilhar as vitórias e as derrotas do dia-a-dia, especialmente neste momento que sou mãe de duas crianças pequenas e as surpresas são constantes.
É difícil dizer adeus a algumas (poucas) pessoas que no Rio de Janeiro fizeram-me sentir querida, mas a felicidade de dizer olá a muitas outras facilita tudo. A experiência de emigrante, e agora refiro-me não só aos três anos no Brasil mas ao primeiro ano em França, foi muito enriquecedora. Tive oportunidade de conviver com culturas diferentes e por isso aprender não só a respeitar mais as diferenças que existem como a apreciar mais a minha própria cultura. Tive de aprender a adaptar os meus gostos alimentares ao que havia e descobri alimentos espetaculares como passei meses sem ver à frente uma bela dourada grelhada ou um bom pão como tanto gosto. Vi coisas que nunca pensei que fosse ver como senhoras a passear os seus cães em carrinhos (de bebé); carruagens de metro só para mulheres; ascensoristas; crianças de quatro anos a vender panos na rua à uma da manhã...

Cresci a bem e a mal. Com coisas agradáveis e desagradáveis, como deve acontecer em todo lado, mas sendo emigrante, estando sozinha, é um processo que ganha uma dimensão astronómica. Dei o meu melhor para ser feliz e fui, porque o sou enquanto alimento a minha curiosidade. Havia mais para fazer? Para descobrir? Sem dúvida. Nem uma vida, nem várias, é suficiente para se chegar a algum lado e como já percebi que nesta vida que temos não chegamos a lado nenhum mesmo só quero que a viagem seja divertida e ao lado de todos os que me fazem sentir feliz.  

quarta-feira, 7 de dezembro de 2016

Ólhó quilo da pêra (só) a 8 euros!


Azeite, bacalhau e vinho. Eis os três principais produtos que o Brasil mais importa de Portugal. Mas e as frutas e os legumes? O que existe aqui no Rio de Janeiro que hoje venha de terras lusas?

A resposta é difícil porque se recuarmos no tempo, após o início da colonização organizada do Brasil pelos portugueses, por volta de 1530, ocorreu um grande processo de troca de plantas, entre elas as hortaliças. Além de diversificar a alimentação, estas introduções serviram de material básico para o melhoramento genético na adaptação destas espécies às condições do solo e clima brasileiros. Exemplos disso são a manga, o coco, e a jaca que, ao contrário do que muita gente pensa, inclusive brasileiros, não são originários do Brasil, mas introduções feitas graças aos navegadores portugueses que trouxeram as sementes do lado oriental do mundo. Outras introduções promovidas pelos colonos, navegadores e jesuítas portugueses tornaram-se indispensáveis à culinária regional em algumas regiões brasileiras. Exemplo disso é a tradicional couve mineira, herança de um dos produtos mais representativos da culinária portuguesa que criou raízes profundas no solo mineiro devido à forte presença lusa na província das Minas Gerais durante o ciclo do ouro.

A vinda da família real portuguesa e sua comitiva, em 1808, promoveu a produção e consumo de produtos portugueses em maior escala. Ao assumir a rotina diária, os portugueses sentiram falta de seus alimentos e passaram cultivar couve, cenoura, cebola, batata, alface, entre outras hortaliças. Esta demanda e a resultante abundância de hortaliças no Brasil durou pelo menos até à época imperial.
Portanto, alguns produtos agrícolas hoje no Brasil têm como que uma descendência portuguesa assim como os próprios brasileiros. Por isso mesmo, muitos alimentos passaram a ser cultivados aqui ao invés de serem importados de Portugal; à semelhança da população que cresceu de tal maneira que deixou de ser necessário virem para cá portugueses a fim de povoar a região. De facto, com a diminuição da imigração portuguesa para cá diminuiu também a importação de produtos nacionais que atendia às necessidades e desejos desses imigrantes. E os que cá ficaram e constituíram a suas famílias habituaram-se ao que havia e ao que foi surgindo.

Hoje em dia, o que podemos comprar de alimentos frescos num supermercado ou nas feiras semanais aqui do Rio que seja importado de Portugal restringe-se basicamente a um produto: a pera rocha (aqui designada de pera portuguesa). Para além disso, eventualmente, conseguimos encontrar ameixas, pêssegos, maçãs, nectarinas e castanhas.

De todas as frutas importadas, a pera é considerada uma das mais consolidadas porque caiu no gosto dos brasileiros. O Brasil tentou produzi-la para consequentemente reduzir as importações, mas problemas técnicos como a falta de cultivares adaptados, porta enxertos e outras dificuldades fisiológicas da planta tornam a produtividade irregular. Diante disso, o país ainda depende muito da pera estrangeira. Para nós portugueses fica difícil pagar entre três a oito euros o quilo desta fruta, mas de vez em quando, para matar a saudade, lá vai.

quinta-feira, 27 de outubro de 2016

Famosa sim, brasileira é que não

Capa do livro
Não me surpreende que a maior parte dos brasileiros (ou portugueses) não saiba que Carmen Miranda era portuguesa. Mas acho um absurdo que um (aqui considerado) conceituado jornalista escreva na capa da biografia da cantora: "A vida de Carmen Miranda, a brasileira mais famosa do século XX". Vamos esclarecer: Carmem Miranda foi famosa sim, mas brasileira é que não. A "pequena notável", como era chamada, nasceu em Portugal, em Marco de Canaveses, em 1909. Filha de pais também portugueses, veio para o Brasil com dez meses de idade e nunca se naturalizou brasileira. Pode ser uma figura meio esquecida hoje mas Carmen Miranda é considerada por muitos como a inventora da musica popular brasileira e trouxe a público uma série de representações que acabaram sendo incorporadas à identidade nacional do Brasil. Assim, mesmo quem não conhece a sua história é capaz de identificar a sua imagem colorida, cheia de bijuterias, o enorme turbante de frutas e algumas das suas canções como “Tico-tico No Fubá”, “O Que É Que A Baiana Tem?”, ou “Taí”. É engraçado que durante a sua carreira no Brasil, a cantora construiu uma imagem nacional, inspirada em representações regionais da Baia, através das suas canções lisonjeiras do povo e das belezas naturais, discurso também presente nos filmes de temática carnavalesca em que participou. Essa imagem foi acolhida pelos cariocas, favorecendo a sua emergência como símbolo nacional. E quando foi para os Estados Unidos da América, Carmen transformou-se efetivamente na ‘baiana’ exótica e tropical que toda a gente passou a conhecer. Nos anos 40, as opiniões sobre a artista eram divergentes, existia orgulho pelo sucesso que alcançou nos Estados Unidos da América, mas também decepção por não interpretar o papel que o Brasil gostaria. Depois de morrer (1955), Carmen Miranda continuou a ser assunto em jornais e revistas durante muito tempo. E ainda que hoje não o seja, a sua imagem representa cenários de um estilo vida que muitas vezes é comercializado como brasileiro. 

sexta-feira, 20 de maio de 2016

Malandragem e ‘jeitinho’ brasileiro: mea (nossa) culpa?

Muito tenho lido, nos últimos dois anos, sobre a história do Brasil e mais especificamente sobre o nascimento da cidade do Rio de Janeiro. Ainda tenho uma longa estrada pela frente no que toca à compreensão disto tudo mas das leves conclusões que vou conseguindo tirar destaca-se a raiz histórica da corrupção.

Não sei se devemos considerar que o brasileiro é corrupto por natureza e que por isso o Brasil não tem solução, ainda que faça parte do carácter nacional a promiscuidade entre os interesses públicos e privados, o desrespeito pelas leis e o famoso 'jeitinho' (malandro) brasileiro.

A corrupção existe em todo lado, é certo, mas aqui parece-me 'ter asas para voar' dada a desorganização da sociedade, a fraqueza das instituições, a falta de mecanismos que controlem os abusos e o poder excessivo de alguns lobbys. Já escrevia Paulo Prado em 1928 (mas que parece hoje): "O Brasil, de fato, não progride; vive e cresce, como cresce e vive uma criança doente no lento desenvolvimento de um corpo mal organizado".

O Brasil é um país muito jovem na construção da cidadania e nota-se que ainda é marcado pelo seu passado analfabeto, escravista e concentrador de riquezas. Talvez o espírito corrupto que vemos na cidade e no País possa de facto estar ligado ao pelo modo como se operavam os negócios aquando da colonização portuguesa. Vejam os exemplos que alguns historiadores referem: Quando o D. João VI transferiu a sede da coroa portuguesa para o Rio (1808) ganhou a melhor e maior casa da cidade, onde se situa hoje o Palácio da Quinta da Boa Vista, no bairro de São Cristóvão, de um grande traficante de escravos, Elias António Lopes, que foi um dos homens que mais enriqueceu e ganhou títulos de nobreza com este óptimo negócio. Foi também nesta época que nasceu a prática da “caixinha” para onde eram desviadas comissões de todos os saques e pagamentos do Erário Real (actual Tesouro Nacional).

Será mesmo mea (nossa) culpa este estado de corrupção que vai desde a Presidência à favela? Parece-me que o passado não é desculpa para que a corrupção se perpetue hoje mas, como disse no início, ainda me falta um longo caminho pela frente para compreender tudo isto (o Brasil).


terça-feira, 23 de fevereiro de 2016

Verão e Inferno

Calor. Sol. Calor. Chuva tropical. Sol. Muito calor. No Rio de Janeiro temos Verão e Inferno e por isso há dois anos e meio que só vivo nestas duas estações. No início é maravilhoso, andar sempre de chinelos, não usar casacos, poder ir à praia quando quiser...sim, no início tudo isto é maravilhoso mas sabem que mais?...Cansa.
Perdoem-me portugueses porque imagino que nesta altura já estejam a sonhar com caracóis e imperiais no final de um dia de praia ou aquele peixinho grelhado no carvão com salada de pimento e noites quentes de conversa na rua com os amigos e uma bebida gelada na mão. Mas entendam, aqui também não há isso, só calor, o ano inteiro. E por mais estranho que vos possa parecer, aqui com o tempo deixamos de dar valor a dias de sol e calor. Todos os dias são iguais. E por isso parece que o tempo passa mais depressa.
Carnaval: quando os cariocas "trabalham"
Os Invernos que passei em Portugal, que foram quase todos da minha vida, davam-me a sensação de hibernação, de paragem no tempo, de dias mais longos, mais proveitosos, tempo para reflectir. Sinto falta disso. Confesso: tenho saudades do frio, de vestir casacos e usar botas, de sentir o fogo da lareira aquecer a sala, de comer uma sopa quentinha, de assistir filmes enrolada num cobertor e de deitar encolhida nos lençóis de flanela à espera de aquecer....
Acho que o meu ser biológico ficou "formatado" de mais ao clima português para poder aceitar e desfrutar deste clima brasileiro. E agora refiro-me não só ao aspecto meteorológico mas ao estado de espírito das pessoas. Fazia falta um pouco de Inverno a estes cariocas para ver se arrebitavam, se ficavam mais sérios na sua conduta. Sempre a mesma lenga lenga de não quererem fazer nada e esperarem tudo. Queixam-se do Governo, da vida que têm mas quando lhes toca a fazerem algo pelo bem comum encolhem-se, fogem, fintam ou aldrabam. Só querem Carnaval, futebol, e bebida. É como se estivessem de férias o ano inteiro, acompanhando o clima de Verão que não cessa. Será que podemos culpar o Verão e só o Verão por esta preguicite aguda generalizada? Podemos dizer que faz parte da cultura, mas o que influenciou essa cultura? Não me venham de novo com a história que a culpa é dos portugueses que colonizaram esta terra com prostitutas e ladrões (discurso típico por estas bandas). Em parte isto pode ser verdade, em parte pois por exemplo foram pouquíssimas as mulheres que vieram colonizar o Brasil vindas de Portugal, ainda assim 500 anos depois o país e esta cidade especialmente não mudaram muito.
Não quero injuriar ou difamar a terra que me "acolheu" nestes últimos anos mas uma coisa aprendi e vos digo: O Rio só é bom para passar férias! E mesmo assim muito cuidado, esta semana uma estrangeira foi assassinada à facada em Copacabana depois de ter entregue a sua carteira ao ladrão e começado a correr. Estação do ano: Inferno.

terça-feira, 22 de setembro de 2015

Filha da (outra) nação

Nasceu uma carioca portuguesa. Contrariando as estatísticas de 80% de partos cesariana no Brasil, consegui dar à luz de parto natural e bastante rápido a meu ver (cinco horas), apesar de ter tido o tempo todo uma equipa médica que me tentava convencer que a cirurgia era o melhor, que a bebé era grande de mais, etc. O próximo passo, agora que rejubilávamos de alegria com mais um membro na família, era tratar da papelada para irmos a Portugal mostrar o novo rebento. Mal sabíamos que uma nova saga estava por começar...
Foi-nos dito que tínhamos de fazer um agendamento na polícia federal do aeroporto internacional do Rio de Janeiro para fazer o passaporte da nossa filha. Pagámos uma taxa e esperámos (a módica quantia) de trinta dias para sermos atendidos. No dia chegamos ao aeroporto com todos os papéis que nos instruíram serem necessários e é-nos informado que antes de tirar o passaporte temos de requisitar uma pesquisa social que comprove que a nossa filha é mesmo nossa e isso significa que a polícia teria de enviar um ofício para a maternidade e outro para o cartório para comprovar tal facto, mesmo que tivéssemos em mãos a certidão de nascimento e os laudos médicos do parto. Esses ofícios seguiram via e-mail e demoraram 45 dias (módica quantia!) a ficarem prontos. E assim o foi porque dia sim dia não telefonava para a polícia federal, para a maternidade e para o cartório para saber do andamento do processo. Finalmente três meses depois conseguimos tirar o passaporte da Júlia (que, vá lá, demorou uma semana a ficar pronto) e podemos voar para a 'terrinha'.  É angustiante ser emigrante e estar impotente diante das próprias vontades, esperar tanto tempo para poder reunir toda a família em Portugal que já não vejo há quase um ano. Estou feliz e ansiosa mas também confesso que agora que seguro os nossos passaportes na mão sinto alguma estranheza e melancolia pelo facto de três serem portugueses e um brasileiro. Acho que pela primeira vez compreendo literalmente a (triste) verdade que os filhos quando nascem é para o mundo, não nos pertencem. Assim o é: a Júlia saiu de dentro de mim mas ela é filha da (outra) nação.

domingo, 1 de março de 2015

Venha daí esse bebé (luso)carioca

Se a vida de Zé Emigra desta família já tinha algumas cenas (no mínimo) cómicas no seu dia-a-dia no Rio de Janeiro, em breve vai ficar ainda mais 'incrementada' com a chegada de um novo membro.

Começa logo com a saga implacável para encontrar um médico que faça um parto normal. Sim porque aqui não é certo (ou quase certo) que quando uma mulher engravida possa ter este tipo de parto. E agora é este o meu caso. Em cinco meses de gravidez já mudei de obstetra quatro vezes! Ou porque o especialista diz que não posso engordar mais de nove quilos a gravidez toda ou porque fala bem de mais da cesariana.

Não sei se sabem mas o Brasil tem o mais alto índice de cesarianas do planeta, são cerca de 80% dos partos em hospitais particulares (que equivalem aos nossos públicos em termos de qualidade). Já na rede pública a percentagem é superior a 40, muito acima dos 15% considerados razoáveis de acordo com a Organização Mundial de Saúde.

A questão aqui é que se torna mais prático para médico e paciente fazer uma cirurgia de uma hora do que dedicar 12 horas a um trabalho de parto – pelo qual, aliás, o médico recebe menos –, cancelando um dia inteiro de consultas. Também muitas gestantes veem na cirurgia menos dor e mais segurança pois nos hospitais privados não há profissionais especializados de plantão 24 horas, como os anestesistas por exemplo, tudo tem de ser agendado. Por fim, há cada vez menos maternidades para parto e uma forma de garantir uma vaga num bom hospital é marcar e fazer a intervenção. Ou então acontece como o caso da minha amiga que recentemente teve o seu bebé no chão da maternidade por não haver camas livres. Note-se: essa maternidade é privada, ela pagou cerca de dois mil euros pelo parto que enfim foi normal como ela queria...mas no chão!

Ora é neste mesmo hospital que o meu bebé vai nascer... Quanto ao obstetra, encontrei uma médica que me parece ‘normal’ e a favor do parto normal, o que já não é mau mesmo não garantindo nada. E enfim, com a coragem que define todos os Zé Emigras e o positivismo próprio da minha personalidade resta esperar o melhor e que venha daí esse bebé (luso)carioca cheio de saúde!