quinta-feira, 27 de outubro de 2016

Famosa sim, brasileira é que não

Capa do livro
Não me surpreende que a maior parte dos brasileiros (ou portugueses) não saiba que Carmen Miranda era portuguesa. Mas acho um absurdo que um (aqui considerado) conceituado jornalista escreva na capa da biografia da cantora: "A vida de Carmen Miranda, a brasileira mais famosa do século XX". Vamos esclarecer: Carmem Miranda foi famosa sim, mas brasileira é que não. A "pequena notável", como era chamada, nasceu em Portugal, em Marco de Canaveses, em 1909. Filha de pais também portugueses, veio para o Brasil com dez meses de idade e nunca se naturalizou brasileira. Pode ser uma figura meio esquecida hoje mas Carmen Miranda é considerada por muitos como a inventora da musica popular brasileira e trouxe a público uma série de representações que acabaram sendo incorporadas à identidade nacional do Brasil. Assim, mesmo quem não conhece a sua história é capaz de identificar a sua imagem colorida, cheia de bijuterias, o enorme turbante de frutas e algumas das suas canções como “Tico-tico No Fubá”, “O Que É Que A Baiana Tem?”, ou “Taí”. É engraçado que durante a sua carreira no Brasil, a cantora construiu uma imagem nacional, inspirada em representações regionais da Baia, através das suas canções lisonjeiras do povo e das belezas naturais, discurso também presente nos filmes de temática carnavalesca em que participou. Essa imagem foi acolhida pelos cariocas, favorecendo a sua emergência como símbolo nacional. E quando foi para os Estados Unidos da América, Carmen transformou-se efetivamente na ‘baiana’ exótica e tropical que toda a gente passou a conhecer. Nos anos 40, as opiniões sobre a artista eram divergentes, existia orgulho pelo sucesso que alcançou nos Estados Unidos da América, mas também decepção por não interpretar o papel que o Brasil gostaria. Depois de morrer (1955), Carmen Miranda continuou a ser assunto em jornais e revistas durante muito tempo. E ainda que hoje não o seja, a sua imagem representa cenários de um estilo vida que muitas vezes é comercializado como brasileiro.